domingo, 29 de março de 2009

O RIO GRANDE DO SUL DEBATE OS RUMOS DA PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO BRASIL CARTA DE SÃO LOURENÇO DO SUL


No último final de semana o movimento negro gaúcho realizou durante o IX Acampamento de Cultura Afro da Região Sul, dois Seminários Temáticos no dia 21 de março alusivo ao Dia Internacional de Luta Contra o Racismo. Este encontro reuniu 19 cidades, que representaram 03 regiões do Estado, que organizaram suas caravanas e participaram da abordagem de Temas como: Visão de Matriz Africana sobre o papel e a responsabilidade do Estado Brasileiro na implementação de medidas Reparatórias aos crimes que lesaram a humanidade sob o regime inumano da escravidão e a resistência ancestral e religiosa sob a referência dos terreiros e suas lideranças, especificamente, no tratamento, analise, avaliação e participação do povo negro brasileiro na IIª CONAPIR – Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, e principalmente sobre seus métodos de realização no RS, e a eficácia das Resoluções da Iª CONAPIR. O CONNEB – Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil também foi debatido diante da sua importância em construir estrategicamente diretrizes de projeto político para o Brasil do ponto de vista do acúmulo do movimento negro e das experiências do povo negro no Brasil. A próxima etapa será em Porto Alegre e o compromisso na organização e participação política deverá ser compatível a historia do negro gaúcho. Entre outros temas foram debatidos o Estatuto da Igualdade Racial, Saúde da População Negra, Memorial João Cândido Fesliberto, Juventude Negra, Mulheres Negras e Gênero, Situação dos Clubes Negros e a IIIª Marcha Estadual Zumbi dos Palmares Contra o Racismo – 20 de novembro de 2009. Foram realizadas também varias atividades culturais, exposições, oficinas e espetáculos artísticos.

Esta celebração e integração de pessoas de diferentes matizes, mas sob o mesmo intuito de combater o racismo e construir a verdadeira democracia e transformar a nossa sociedade, evidenciou o compromisso de dialogarmos com o nosso país e abrir um debate nacional sobre contexto político que estamos passando onde devemos manifestar nossa contrariedade e apresentar o nosso ponto de vista sobre as questões em pauta na agenda da promoção da igualdade racial em 2009.

Onde apresentamos as seguintes constatações:

1. O Brasil vive um momento ímpar em relação à abordagem da questão racial na sociedade que é resultado das conquistas do movimento negro brasileiro;

2. No entanto, várias contradições se evidenciam a partir da ineficácia dos governos e a dissimulação da temática racial nas relações institucionais;

3. Partidos Políticos e Monopólios de Comunicação estruturados em boa parte pelo dinheiro público tem liderado campanhas e medidas contra as conquistas conceituais e legislativas do movimento negro;

4. Ao mesmo tempo o Estado Brasileiro e seus poderes constituídos mantêm um discurso nacional e internacional sustentando o mito da democracia racial e não admitindo que racismo é um problema crônico e emblemático no Brasil;

5. As Igrejas neopentecostais exercem um papel de intolerância religiosa sobre a religião de matriz africana sob uma verdadeira permissidade institucional e desconsideração da Constituição Brasileira;

6. A juventude negra vem sendo exterminada em todo o país alcançando índices estatísticos alarmantes de desemprego, drogatização, violência, mortalidade, acesso à saúde e a educação;

7. As comunidades Remanescentes de Quilombos efetivamente não tiveram uma política de titulação de suas terras pelo Governo Federal. Além disso, a elite ruralista brasileira e seus respectivos partidos tomaram medidas legislativas e judiciais para suprimir os direitos constitucionais adquiridos;

8. As mulheres negras continuam ocupando os maiores índices de exclusão por gênero e raça no mercado de trabalho, saúde, educações, e sofrem o maior impacto da crise econômica;

9. O Estatuto da Igualdade Racial não é aprovado pela contrariedade da elite brasileira racista representada principalmente pelas bancadas dos partidos de direita que detém e concentra o poder econômico no Brasil em detrimento a toda a população;

10. Não há interesse e vontade política no Brasil em garantir orçamento ou investir recursos nas políticas de Ações Afirmativas para enfrentar a desigualdade racial, inclusive diante dos investimentos e subsídios ao setor financeiro quando das crises financeiras ou golpes de especuladores;

11. A questão racial no Brasil está sendo usada como um tema social explorado pelo terceiro setor e por ativistas, intelectuais e organizações fora do movimento negro desvinculados do princípio de construção estratégica e de projeto político e em muitas vezes somente pelo interesse financeiro e de evidencias social;

12. As estruturas públicas que tratam da promoção da igualdade racial estão sem recursos e com dificuldades de financiamentos de programas específicos pelo próprio poder executivo que pertencem, além de encontrarem resistência de implementação de políticas transversais em várias áreas de poder executivo através da inclusão da temática racial;

13. As comunidades tradicionais, quilombolas, bairros, cidades, regiões eminentemente de população negra não estão especificamente sob um projeto de desenvolvimento sócio, cultural econômico do país;

14. A falta de implementação do quesito raça e cor como uma política nacional inviabilizou dados estatísticos da realidade da exclusão racial no país e conseqüentemente a implementação de medidas diante de uma realidade baseada em índices oficiais e reais;

15. A resistência do poder público na área educacional em implementar efetivamente a Lei 10.639/2003, demonstra a falta de reconhecimento político, social e histórico da importância da abordagem da História da África e dos Afro-brasileiros nos currículos escolares onde transcorrerá uma verdadeira mudança de conceitos através de uma releitura de conceitos e concepções oficiais da elite brasileira que representará um elemento intelectual para a conscientização e a mudança de poder no Brasil através da educação;

16. As concepções estratégicas e desenvolvimentistas das políticas econômicas e sociais no Brasil estão deparando-se diretamente com os valores de matriz africana e seus conceitos de sociedade sobre o patrimônio material e imaterial, seja, ancestral cultural, religioso ou territorial, onde o movimento negro tem construído uma visão de sociedade incompatível com os valores europeus capitalistas, mas sob o referencial da civilização milenar do Continente Africano;

17. As redes nacionais de televisão estão produzindo novelas e programas tratando em seus roteiros e enredos das relações raciais desconsiderando o preconceito e a discriminação, colocando o sujeito negro como idealizador e propagador do próprio preconceito, como de transgressões políticas financeiras além de reforçar um estereotipam negativo na construção de seus personagens. Bem como em seus telejornais quando de reportagens que descaracterizam conceitos construídos pela luta de Combate ao Racismo no Brasil;

18. A mídia no geral tem diminuído o espaço para divulgação e promoção de atividades, manifestações e eventos relacionados a datas históricas, ou fatos, ou casos de racismo, ou para expor ponto de vista do movimento negro organizado, procurando na maioria das vezes ouvirmos ou dar espaço a pessoas que não tem relação com a luta de combate ao racismo, ou até mesmo distorcem a redação da matéria diante da posição da empresa jornalística;

19. A Iª CONAPIR – Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, realizada em 2005, pelo Governo Federal não cumpriu e programou suas Resoluções e Diretrizes, justificando um retrocesso nas Políticas Afirmativas no Brasil e causando o agravamento do racismo, além de demonstrar uma verdadeira ineficácia na articulação de medidas concretas e investimento orçamentário público;

20. A IIª CONAPIR – Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial – junho 2009 -, não pode desconsiderar tais ineficiências, rediscutindo simplesmente questões já encaminhadas após quatro anos de estagnação. E principalmente deve estabelecer uma nova relação com o Movimento Negro Brasileiro em detrimento a uma visão governamental e institucional, que vem tratando a Conferência de forma autoritária em vários Estados do Brasil, através de determinações de agendas, métodos, e debate de caráter despolitizado e populista. Além dos problemas de comunicação e critérios de participação.

21. Em relação ao CODENE – Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado do RS reconhecemos a legitimidade da Gestão eleita em agosto de 2006 e só empossada em junho de 2007, para cumprir o seu mandato do ponto de vista legal e político, além de rechaçarmos os golpes e manobras idealizadas pelo Governo de Yeda Rorato Cruzius e seus apoiadores.

Por todas estas questões e por entendermos a importância de nossa luta, e mais, por entendermos que setores e militantes históricos da luta racial de nosso país, estão hoje comprometidos com um projeto político estratégico que não contempla nossa luta histórica estamos apresentando este documento que reflete nossa posição entre os militantes que participaram do IX Acampamento de Cultura Afro da Região Sul.

Asé.

São Lourenço do Sul, 20 a 22 de março de 2009.